| . melhor lugar . |*

“(...)Você é meu
único laço, cordão umbilical, ponte entre o aqui de dentro e o lá de fora. Te
vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado,
depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas
memória, alívio, enquanto agora sou uma planta
carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga
devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será
demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá
como se esquece um compromisso sem muita importância.”

Não sei exatamente quando esses teus silêncios começaram a me doer e pesar tanto. Só sei que me dilaceram. Trazem à tona nossas já tão flagrantes diferenças. Cada olhar mudo potencializa meus receios. O medo de não ter nada interessante que te faça ficar. O medo de ter esse tanto de desagradável, de sufocante em mim. De sufocar e desagradar você.
Acho que sinto falta da tranquilidade que tínhamos no início, quando não havia sentimentos tão carrascos. É como se o seu ‘eu te amo’ tivesse se tornado obrigação e as suas lágrimas inevitáveis. Tão assustador, amor. Tão inquietante a certeza de te amar tão demasiadamente que te possa magoar, oprimir.
Agora que nossas intersecções se estreitam, não sei ao certo por quanto tempo posso te manter próximo só com meus desmedidos sentimentos. Aliás, não sei como posso não te afastar com eles. Eu não sei de você, não sei como cuidar de você e como não desapontar você. E não saber fecha meus olhos quando estou contigo, me faz evitar tuas expressões. Me ajuda a ignorar um quê de arrependimento que possa aparecer no canto dos teus olhos, no fim do teu sorriso.
Eu também me calo muito, tens razão nisso. Apenas me ocorre que, quem sabe, ficando quieta eu possa diminuir o peso que involuntariamente coloco sobre ti. E tudo o que eu acredito – ou ao menos acreditava – sobre amar e dividir tem sido confrontado com minhas atitudes e me envergonha.
Tão distante essa tua vida, amor. E em matéria de observação sou completamente míope. Não costumo enxergar muito além daquilo que está a um palmo do meu nariz. Eu preciso de um tempo – não longe de ti, por favor – mas de um tempo de tolerância e de compreensão. Um tempo pra me livrar das minhas carências, pra reorganizar o armário das minhas emoções e abrir espaço pra poder comportar mais em mim e menos em ti esse amor tão grande.
Preciso só que você ouça e, em seguida, esqueça. Que releve, que finja, que aceite. Que sacrifique só mais um pouco o teu cansado coração – se é que tenho o direito de te pedir isso. Preciso de você inteiro. De ocupar em você o lugar que não suporto ocupar em mim. E preciso que você fale, preciso MUITO te ouvir.
Enfim, queria aproveitar o que temos com maturidade e serenidade. Mas me desculpe, eu só tenho esse exagero e essa pressa. Essa coisa de criança que quer brincar antes que o brinquedo quebre e acaba quebrando, sem querer...
Você ainda não cabe completamente em mim, mas garanto: estou adiantando as obras e construindo pra você a parte mais especial e aconchegante de mim.

"Enfim, passeia tua boca em mim até
me calar. Aqui ainda parece o melhor
lugar
."